quinta-feira, 13 de novembro de 2014

"Aquiles Pelida"


Geralmente, quando começamos a ter contato com um texto antigo, a primeira sensação é de estranhamento. Vejamos a Ilíada: o poema começa com a briga entre Agamêmnon, chefe das tropas gregas que estão guerreando em Troia, e Aquiles, o melhor guerreiro grego. Mas não encontramos apenas os nomes Agamêmnon e Aquiles citados nesses versos. Encontramos, por exemplo, "Aquiles Pelida". O que raios é "Pelida"?
Se você já tentou ler o poema e se fez essa mesma pergunta, calma: você não está sozinho. Esse tipo de dúvida é muito comum. Vamos lá: "Pelida" é o que chamamos de epíteto: um qualificativo que acompanha um nome, seja ele próprio ou não. O que quer dizer "Pelida"? Filho de Peleu. Peleu é o nome do pai de Aquiles. Os epítetos (qualificativos) que se referem à genealogia dos heróis são muito comuns na poesia homérica. Assim, dizer "Aquiles Pelida" é o mesmo que dizer "Aquiles, filho de Peleu". Às vezes pode ficar um pouco mais complicado: Diomedes, outro grande herói grego, é referido em certo ponto como "o filho do Enida", ou seja, ele é o filho do filho de Eneu - no caso, Tideu. 
Nesse momento você deve estar se perguntando por que a poesia homérica usa esses epítetos de forma tão recorrente, não é? Acredite, eles facilitavam muito a coisa. Mas isso vai ficar para o próximo post!

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A primeira aula a gente nunca esquece


Primeira aula de literatura grega: não dá para esquecer. Você entra na sala sabendo que tudo começará por Homero, e espera. Quem foi? Onde nasceu? Onde viveu? Você está curioso, claro. Comigo aconteceu há dez anos. Naquele momento, tudo que conhecia sobre Homero, além de sua obra, era um busto de um homem cabeludo e cego. Coitado do Homero.
Aí a aula começa, e vem a surpresa: não se sabe se existiu um homem chamado Homero. Se existiu, não se sabe nem quando, nem onde ele viveu. Muitas são as anedotas e as teorias. E, de repente, o mais chocante: não se sabe se Homero é o "autor" da Ilíada e da Odisseia, ou ao menos de um dos dois poemas. 
E é isso mesmo: tudo que temos é um nome, e dois poemas incríveis relacionados a ele. Se existiu um homem chamado Homero, pode ter sido um aedo (profissional que compõe poemas orais enquanto os recita, no momento da performance) de extremo talento, mas ainda assim não sabemos qual o grau de interferência que ele teria tido sobre os poemas que são atribuídos a ele. Ele teria criado os poemas oralmente, e depois diversos aedos teriam reproduzido ao longo de séculos suas histórias? Ou ele teria lapidado poemas criados e transmitidos por séculos pela tradição oral, dando-lhes o acabamento e a forma que conhecemos hoje? 
Muitos acreditam que seu nome seja fictício, uma brincadeira com o grego, e significaria "aquele que não vê"; há os que acreditam que os aedos eram, em geral, cegos - faz parte do imaginário grego antigo pensar que um grande bem vem acompanhado de um grande mal e que, portanto, quem tivesse o dom de produzir cantos belíssimos, por exemplo, devia receber, em contrapartida, um mal, que poderia ser a cegueira. Tirésias, o grande adivinho das tragédias gregas, capaz de enxergar o passado, o presente e o futuro, é cego. Demódoco, o aedo que aparece na Odisseia, produz cantos maravilhosos e narra os fatos como se os tivesse presenciado: é cego.
A lição mais importante da minha primeira aula de literatura grega foi que as perguntas são mais importantes que as respostas, e que temos de aprender a lidar com o fato de que não acharemos resposta para todas as perguntas. 
Mataram Homero. Mas os poemas sobrevivem. O que dizer sobre eles?